O Grande Romance Americano de Lana Del Rey
Em “Norman Fucking Rockwell!”, Lana desconstrói mitos culturais, canta amores arruinados e emerge como uma das compositoras mais importantes do século.
Existem dois tipos de pessoas quando o assunto é Lana Del Rey: aqueles que tiveram a adolescência embalada pela melancolia cinematográfica de suas canções e aqueles que ainda a veem como uma "boneca indie", criada para agradar garotas em tardes chuvosas. Por muito tempo, essa imagem de "produto fabricado" pareceu ser uma construção artificial, quase um fetiche da gravadora, idealizado por algum executivo de marketing fascinado pela ideia de uma femme fatale pós-moderna.
No entanto, se você ainda faz parte do segundo grupo e insiste nessa visão de uma artista fabricada, o álbum Norman Fucking Rockwell! pode ser o convite necessário para que você repense tudo o que achava saber sobre Lana Del Rey.
Nesse álbum, Lana está em seu estado mais puro e cortante. No auge de sua força criativa, ela costura e descostura os mitos da cultura americana com uma frieza encantadora, a mesma expressão vazia que diz tudo e nada ao mesmo tempo, como um espelho quebrado refletindo um país em ruínas.
Ao longo da carreira, Lana Del Rey frequentemente encenou um estilo de vida californiano repleto de festas intermináveis, carros luxuosos, piscinas cintilantes e um hedonismo de cartão-postal. Mas em Norman Fucking Rockwell!, essa fantasia dourada é desmontada. Por trás do verniz ensolarado, ela revela o vazio existencial, a solidão glamorizada e a busca incessante por algo que nunca chega. A glória é passageira, a felicidade é uma miragem e tudo o que resta é o eco de uma autenticidade perdida, soterrada sob o peso de prazeres fáceis e promessas ocidentais quebradas.
Ela busca uma América que talvez nunca tenha existido. Como um fantasma errante, atravessa suas paisagens com olhos semiabertos e voz de veludo trincado. É hipnótica, inclassificável, uma trapaceira fascinante, nos deixamos seduzir com prazer, cientes do jogo.
Lana é uma figura indecifrável da música contemporânea. Uma esfinge moderna que jamais se entrega por completo. Já definiu sua própria obra como “música psicológica” mais do que pop. Em NFR!, essa definição se realiza com nitidez: um álbum onde sua complexidade estética e emocional se consolida numa maturidade que não renuncia à ambiguidade. E desse equilíbrio entre fragilidade e controle emerge uma certeza difícil de negar: Lana Del Rey é uma das grandes compositoras da música americana, talvez uma das únicas de sua geração capaz de soar como herdeira natural de Joni Mitchell, Carole King, Dylan e Joan Baez sem cair na armadilha da imitação.
A produção, assinada por Jack Antonoff, conhecido por dar forma à vulnerabilidade de artistas como Lorde e Taylor Swift , aqui atinge um raro estado de leveza. Ao lado de Lana, ele troca grandiosidade por contenção. Há espaço, silêncio, suspiro. NFR! respira como um quarto à beira-mar, onde as emoções se acumulam devagar, sem pressa de explodir. Acima de tudo, é o som de um coração se partindo, se remendando e se partindo de novo. Um ciclo emocional feito de pessoas problemáticas tentando entender a bagunça que o amor deixa para trás. A dor que Lana traduz vem da empatia: com os desajustados, os desiludidos, os solitários, os que já se cansaram de esperar o mundo melhorar.
O álbum soa como uma suíte de canções concebidas no crepúsculo dos anos 70, quando tudo no rádio parecia falar de Los Angeles, mesmo que o cantor fosse de outro lugar, como se já fosse consenso que L.A. era o lugar onde os sonhos americanos iam morrer.
E Norman Fucking Rockwell! é isso: um funeral sussurrado para o mito da América, cantado por alguém que ainda acredita que a beleza pode salvar alguma coisa, mesmo quando tudo está desabando. Não é a Lana Del Rey que muitos zombavam na década passada, é uma escritora em pleno domínio da linguagem, com ecos de Hemingway, Zelda e Fitzgerald. A composição aqui não é apenas sofisticada: é devastadora, crua, quase literária.
Talvez eu não precise de muitas análises técnicas. Basta dizer que este disco é perfeito. Um dos mais emocionantes que já ouvi. E mais do que isso: um dos poucos capazes de nos fazer sentir que estamos vivendo dentro de uma canção, mesmo quando ela é triste demais para continuar tocando.
"Eu realmente acredito que as palavras são uma das últimas formas de magia"
Lana Del Rey
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