Pet Sounds: A Sinfonia Inacabada (e Eterna) de Brian Wilson
Fugindo das turnês e de um passado de abusos, Brian Wilson encontrou no estúdio o refúgio para compor a obra-prima que transformaria a dor em arte e mudaria a música para sempre.
A trajetória inicial dos Beach Boys espelhava a da própria música pop. No alvorecer do rock, o sucesso era medido em singles cativantes, trilhas sonoras para uma geração que buscava uma voz própria. Com suas harmonias ensolaradas, os Beach Boys encapsularam o sonho californiano em sucessos sobre surfe, carros e garotas. Contudo, por trás dessa fachada idílica, escondia-se uma realidade sombria, personificada na figura do empresário do grupo e pai dos irmãos Wilson, Murry, um homem abusivo cuja violência física, segundo relatos, causou surdez permanente em um dos ouvidos de Brian.
Essa tensão entre a imagem pública e a sensibilidade de Brian atingiu o clímax no final de 1964. Após sofrer um ataque de pânico em um avião, um devastado Brian Wilson, aos 22 anos, tomou uma decisão que mudaria a história da música: abandonaria as turnês para se dedicar exclusivamente ao estúdio. Inadequado para a vida na estrada, ele encontrou no estúdio um santuário onde seu talento floresceu livremente. O álbum The Beach Boys Today! (1965), com sua instrumentação mais texturizada e letras maduras, foi o primeiro sinal da obra-prima que estava por vir.
A grande faísca criativa veio com Rubber Soul, dos Beatles. Wilson ficou obcecado pela coesão do álbum, como ele mesmo descreveu: "Rubber Soul era uma coleção de canções que, de alguma forma, se conectavam como em nenhum outro álbum já feito, e fiquei muito impressionado. Eu disse: ‘É isso. Fui desafiado a fazer um grande álbum’."
A essa inspiração somou-se sua admiração pela grandiosa técnica "Wall of Sound" de Phil Spector. Esses fatores, combinados com um conturbado período pessoal, culminaram na criação de Pet Sounds.
Na prática, Pet Sounds é um álbum solo de Brian Wilson. Ele expandiu a paleta sonora do pop com arranjos complexos e se revelou um gênio na utilização de sons inusitados. Além de tímpanos e bongôs, Wilson improvisava com o que tinha à mão: para a faixa-título, por exemplo, o baterista foi instruído a batucar em duas latas de Coca-Cola vazias.
O processo criativo revela um perfeccionismo notório. "Sloop John B", uma canção folclórica sugerida por Al Jardine, foi gravada em julho de 1965, mas Wilson a deixou de lado por meses, retomando-a apenas no final do ano para aprimorar meticulosamente os vocais. Em contraste, a genialidade de Wilson também brilhava em momentos de pura inspiração. A melodia e a estrutura de "God Only Knows" foram compostas com o letrista Tony Asher em apenas 45 minutos.
As complexas composições de Brian Wilson não passaram despercebidas. Sua sofisticação sinfônica foi comparada a mestres como Bach e Beethoven, e o lendário maestro Leonard Bernstein o aclamou como "um dos músicos mais importantes da atualidade", rendendo a Brian o título de "Mozart do Pop".
O resultado final é uma obra de arte coesa, onde as faixas fluem perfeitamente. Suas inovações inspiraram incontáveis artistas e, fechando um ciclo, foram os próprios Beatles que, maravilhados com Pet Sounds, se sentiram motivados a criar sua obra-prima, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Não por acaso, Paul McCartney considera "God Only Knows" a melhor canção já escrita.
Fundamentalmente, Pet Sounds redefiniu o conceito de álbum. Deixou de ser uma mera coletânea de singles para se tornar uma obra de arte unificada, a visão de um artista plenamente realizada, que, segundo ele, buscava um propósito maior:
"Queríamos capturar um amor espiritual que não poderia ser encontrado em nenhum outro lugar do mundo."
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